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A mulher que não falava - capítulo dez (final)

quinta-feira, 13 de março de 2014
Recomeço

Pedro nunca tinha se sentido tão feliz como estava se sentido nos últimos tempos, mas alguma coisa ainda o incomodava. Aquilo não era real. Era bom, mas não era de verdade.
- Você está bem?
- Estou, Fer. É que estive pensando muito nessa manhã sobre nós dois.
- E no que você pensava?
- Está sendo muito bom aqui, mas isso tudo não é real.
- Eu te entendo. Desde o dia que você me contou tudo o que você fez para estar aqui, eu te admiro cada vez mais. A cada dia me sinto mais apaixonada por você.
- Eu também, por isso estamos namorando, né?! Mas ainda assim, eu sinto que não estamos completos aqui.
Pedro continuou pensando em tudo que tivera feito. Será que alguém teria lido o texto que ele escreveu? Será que Paulo  também estava sentindo falta dele?
No dia seguinte, ele e Fer foram para o alto de uma montanha. Ela disse que faria uma surpresa para ele.
- Senta aqui comigo, Pedro!
- Ai ai, qual é a surpresa hein?
- Fica aqui comigo! - Pedro sentou-se ao lado dela.
- Você vê tudo isso? As montanhas, os rios, os mares... É tudo nosso. É só meu e seu.
- Eu sei Fer... Eu sei.
Ficaram ali até as estrelas povoarem os céus. Com tantas delas no alto, Pedro se sentia sozinho nesse mundo tão grande. A alegria inicial de ter seu mundo completo com a Fer estava se desfazendo. Era muito bom estar com ela, mas ela ainda continuava incompleta. Ela tinha sentimentos, mesmo que a maioria fosse programados, mas não tinha história. Não tinha um passado, não teve pais para que lhe ensinasse o que é certo, não teve amigos. Somos um pedaço de cada amigo que conhecemos. Trazemos na bagagem cada um deles, com seus rostos, suas vivências e experiências, seus sorrisos, suas fraquezas. Fer não tinha nada disso e ela sabia.
Por saber disso, ela também voltou a ser triste. E agora, mais do que nunca, ela queria ser real. Mas Pedro jamais poderia fazer isso por ela. Ninguém poderia.
Imagem: http://anjosongeur.blogspot.com.br
Na manhã chuvosa em que seu corpo estava sendo velado no mundo real, ele sentiu uma grande fraqueza. Fer não entendia o que estava acontecendo, mas cuidou dele como pôde.
Paulo, após ler o texto que Pedro tinha escrito do mundo virtual, correu para o cemitério, levando consigo o notebook e a máquina. Chegando lá, conseguiu convencer os coveiros a levar o corpo de Pedro para a capela dentro do cemitério. Os coveiros enterraram o caixão sem o corpo.
Paulo estava querendo trazer Pedro para o mundo real.
- Eu vou te trazer de volta, meu amigo.
Ligou o notebook, mas o programa do Mundo Virtual ainda estava dando erro. Assim que era aberto, fechava sozinho em poucos segundos. Paulo conectou a máquina ao notebook, mas ela estava sem energia. Parecia impossível ele conseguir fazer o equipamento funcionar.
A chuva que caía em toda a cidade era muito forte. Paulo saiu da capela procurando qualquer coisa que pudesse lhe trazer a energia. Andou o cemitério todo, até que em uma lápide, viu o nome de Fernanda, a menina do colegial que Pedro gostava. Um flashback passou por sua cabeça. Pensou nas muitas coisas que viveram e nas coisas que Pedro e Fernanda não fizeram. Ele não se conformava. Por causa de um ato do passado, Pedro teve que pagar tão caro. Talvez Fernanda também. Os dois poderiam ter conversado naquele dia da despedida. Um poderia ter dito para o outro o que sentia e, mesmo que não namorassem após isso, poderiam seguir suas vidas normalmente e se apaixonarem de novo. Por causa da timidez de Pedro, ele deixou de viver desde o dia em que ela partiu. Ele simplesmente existia.
Um raio interrompeu os pensamentos de Pedro ao atingir o falso túmulo de Pedro. Nesse momento ele teve uma ideia. Voltou correndo para a capela e ligou novamente o notebook e a máquina para criar o portal entre os dois mundos. A capela tinha para-raios. Paulo ligou uns fios do para-raio na máquina e a conectou ao notebook. Assim que um raio caísse, ele abriria o programa e este criaria o portal. Era a chance que ele precisava para trazer seu amigo de volta. Ele não poderia falhar. 
Enquanto isso, no mundo virtual, Pedro estava passando muito mal. Mesmo assim, ele decidiu sair da casa. Fer o acompanhou abraçada a ele. Ela o abraçou muito forte.
- Por que você está assim, Fer?
- Eu não quero te perder!
- Mas você não vai me perder, eu só quero andar.
- Eu sei que vou te perder, Pedro. Eu estou sentindo.
- Eu não vou te deixar.
- Me desculpe!
- Não precisa, Fer, vem cá. - Ele a abraçou com mais força. Estava começando a melhorar seu estado.
- Me desculpe por eu não ser real. É o que eu mais quero, mas não poderei ser.
- Você é real pra mim! Eu te sinto aqui!
- Não, eu não sou de verdade. Mas saiba que eu te amo. Por mais que eu seja um programa, ou parte dele. Por mais que eu tenha sido desenhada e programada, eu te amo! Isso é mais forte que qualquer linguagem de computador.
- Eu também te amo, Fer! Amo muito...
As palavras dos dois foram silenciadas com um beijo. Não foi o primeiro entre os dois, mas foi o mais expressivo. Foi como se todas as forças daquele mundo se concentrasse no meio dos dois. Como se todos os bits recriassem todas as informações binária. Fer, pela primeira vez, se sentiu real. O vazio que vinha tomando conta do seu ser deixou de existir. O próprio tempo parou de correr. Era só os dois e os dois eram apenas um. Nesse momento, um portal se abriu. Pedro abriu os olhos e não mais viu a Fer, mas conseguiu ouvir a voz dela que vinha do alto.
- Eu te amo! Não se esqueça de mim, de quem eu realmente fui!
- Mas quem você realmente foi?
- Você sabe!
- Mas pra onde você...
O tamanho do portal aumentou e acabou sugando Pedro para outra dimensão. Na capela, o portal estava quase se fechando.
- Vamos, Pedro, saia daí! - Gritou, Paulo. - Vamos lá, meu amigo, saia!!
Um segundo raio caiu e queimou todos os equipamentos. No mesmo instante, o corpo de Pedro começou a se mexer e aos poucos ele abriu os olhos.
- Pedro, você está bem?! Você voltou, meu amigo!
Paulo o abraçou e chorou. Os dois choraram muito. Quando Pedro recuperou as forças e Paulo pôde contar o que aconteceu, Pedro se levantou e procurou o túmulo de Fer.
- Ela morreu há um ano.
- Paulo, por que eu fui tão burro? - Falou chorando. - Por que eu não falei, por quê?
- Meu amigo, eu sinto muito!
Nesse momento, Pedro se lembrou do que Fer disse antes de ele sair do mundo virtual.
- Eu a vi, Paulo, eu estive com ela todo esse momento!
Pedro descobriu, enfim, que tudo que ele havia criado no mundo virtual, inclusive o próprio mundo, foi pensando na Fernanda. Após ela ter partido sem ele ter se declarado, se fechou para o mundo e para todos. Deixou de viver. Respirar era apenas movimentos involuntários, e nada mais. A Fer virtual era a essência da Fernanda verdadeira, e só agora, ele percebeu isso.
A vida é curta e o tempo é apressado. Que vivamos, então! Essa vida raramente te dá segunda chance. Para Pedro, tudo recomeçaria, mas agora, da maneira certa. Talvez ele encontre outra Fernanda, ou Renata, ou Nayara... E quando isso acontecer, se for amor, ele viverá isso!!

Fim.