Este texto tem como objetivo fazer uma reflexão (e análise) do conto A mulher que não falava, escrito por esse ser que vos escreve agora e que assina no final do texto. Antes de prosseguir, admito que este texto é inspirado na obra Diálogos de Salamina (2003), de Javier Cercas e David Trueba. No caso dos dois, Javier Cercas é o autor do romance Soldados de Salamina (2001) e David Trueba é o diretor do filme homônimo (2003). Nesse diálogo, os dois conversam sobre o desenrolar das obras e sobre a adaptação.
No nosso caso, conversaremos sobre o desenrolar do nosso conto que ainda está sendo desenvolvido. Digo no plural - conversaremos - não só por causa das normas, mas também porque faremos um diálogo entre o autor e o narrador. Desse modo, sempre que o turno estiver com um, aparecerá sua identificação precedida da fala.
Autor: Em 2013 participei de uma oficina de roteiro para cinema. Aconteceu em dois sábados, o dia todo, mas passou tão rápido, que não deu pra ver muita coisa. Porém, uma coisa que o palestrante disse me incomodou um pouco. Ele falou que qualquer roteiro que você for escrever deve ter definido início, meio e fim. Dessa forma, o enredo não se perde e fica mais fácil fazer relação com um fato que aconteceu no começo com o final. Isso me incomodou porque ele tem razão. Geralmente, quando escrevo um conto, ou algo assim, eu não tenho nada definido, nem mesmo o nome dos personagens. Às vezes, começo com uma ideia e de repente, tudo muda. O palestrante nos deu uma tarefa muito interessante: devíamos criar um personagem e traçar uma cronologia da sua vida. Deveríamos defini-lo: quem era, como estava, o que fazia, psicológico, tipo físico, etc, mesmo que muita coisa dessas características não fizessem parte da trama. Este exercício tinha o objetivo de conhecermos os personagens para que pudéssemos encaixá-los bem na trama. Por que eu relatei essa experiência? Porque eu estou fazendo totalmente ao contrário nesta estória. Pedro era um total desconhecido para mim quando comecei a escrever sobre ele. Fui conhecendo aos poucos, não só ele, como também à Fernanda, Paulo e Fer. Em relação ao enredo, acontece a mesma coisa, eu não sabia o que escrever no segundo capítulo, nem no terceiro e assim por diante. Sempre que ia escrever um capítulo, eu lia o anterior para tentar segui-lo. Não sei se está dando totalmente certo, mas acho que a trama está seguindo graças ao narrador.
Narrador: Não posso me definir, não sei exatamente como sou, já que o autor não fez nenhuma descrição sobre mim. Isso é normal, já que na maioria das estórias, quando o narrador não é personagem da trama e não fala sobre si, ele não tem muita importância. Serve apenas para narrar. Mas no meu caso, posso dizer que sou um narrador diferente. Posso me comparar ao mundo virtual de Pedro. Ele o criou para ser um abrigo à Fer, mas esse mundo ultrapassou os limites da criação, tendo vida própria. Eu, como narrador, me defino assim. Tenho vida própria, por isso fiquei triste quando a Fernanda morreu.
Autor: Nessa parte, confesso que também fiquei triste. Foi uma sensação estranha, como se alguém realmente tivesse morrido. Neste capítulo, compartilhei todas as reflexões que o narrador apontou. Realmente, pensamos que todas as estórias devem ter um final feliz, mas nem sempre é assim. O final feliz que esperávamos para Fernanda e Pedro era que os dois se reencontrassem e ficassem juntos.
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Narrador: E agora esse reencontro ficou totalmente impossível, pois Pedro também morreu. Morreu sem saber o que tinha acontecido com Fernanda.
Autor: Bom, mas de alguma forma, ele conseguiu entrar no mundo virtual. O corpo dele morreu, mas a essência está nesse novo mundo. É uma situação impar. Primeiro, porque algo real conseguiu se transpassar para a virtualidade. Segundo, porque tudo indica que talvez ele não saia mais daí, pois, se fosse possível, para qual corpo ele retornaria?
Narrador: E de quem foi a decisão de matar Pedro?
Autor: Não sei, como disse, não tenho nada definido para essa trama. Talvez, a trama por si só, defina os próximos passos. Isso parece uma incompetência minha, pois o autor é aquele que cria e gerencia a estória e o que eu estou dizendo é que não sei como é que tudo vai acabar. É incompetência mesmo!
Narrador: Mas a estória está andando. Ela poderia acabar assim, do jeito que está. Pedro queria trazer a Fer para o seu mundo, mas, ao invés disso, ele foi parar no mundo dela. Isso não é diferente quando tentamos mudar alguém para o nosso jeito. Às vezes, quem nos muda é essa pessoa, daí aprendemos a viver de novo, o que pode ser até melhor do que achávamos. Pedro deverá aprender essa lição. Acho que o erro dele foi se fechar demais. Ele trabalhava, tinha colegas, mas apenas Paulo era seu amigo. Ainda assim, eles não conversavam mais como no colegial. Ele se fechou no seu mundo e no seu projeto de criação do mundo virtual. Falhou ao pensar que poderia trazer à realidade uma criação sua. E se desse certo, se ele conseguisse fazer com que Fer vivesse neste mundo, como seria sua relação com ela? Provavelmente, Fer não gostaria de ficar parada, ela tentaria conhecer todas as coisas daqui. Pedro estava fechado há anos, o mundo não era mais o mesmo. Ele não saberia apresentar isso pra Fer. Dessa forma, as coisas seriam como sempre foi pra ele. Fer iria embora e ele continuaria sendo apenas o amigo de Paulo.
Autor: Eu fico pensando se Pedro escutava o que Paulo falava. Pelo que já vimos, parece que não. Paulo sempre deu alguns conselhos para ele, mas parece que nunca foram atendidos. Paulo vai se casar, será que seu amigo, melhor amigo para ele, sabia disso? Se tinha ideia de quem ele estava namorando, se alguma vez o aconselhou quando ele precisou? Será que Pedro foi um bom amigo? Não temos nada escrito sobre isso, mas é para se pensar.
Narrador: Parece que estamos fazendo um julgamento para o coitado. Ele acabou de morrer e já estamos falando assim dele.
Autor: Pois é, vamos respeitar esse momento. Vamos parar por aqui. Caso seja necessário, faremos outro capítulo avulso mais pra frente. Se você tiver alguma coisa que queira saber, poste um comentário aí. Obrigado pela leitura e, não se esqueça, na quinta agora teremos o oitavo capítulo. Não percam!!