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Apaga e esquece

domingo, 9 de março de 2014
Restando apenas mais três páginas de vida, ele decide parar de escrever. Não era pouca tinta na caneta, nem cansaço, nem falta de inspiração. Ele estava percebendo que era tudo um erro, que muito do que dizia naquele livro não era verdadeiro.
Não tinha importância no começo, algumas palavras bastavam para dizer o que sentia, mas com o tempo se tornou refém delas. Elas o fazia inventar estórias, criar situações e defender teses que nunca havia pensado antes. Não era ele que usava as palavras, mas as palavras que o usava e quando elas queriam. Apenas uma chuva era suficiente para elas - as palavras - tomarem conta do ser que se colocava a escrever, sem nenhum esboço.
Depois de algum tempo, ele tomou consciência de que estava servindo como meio para as palavras tomarem sentidos e servirem  de ponto de fuga ou refúgio para qualquer um que a lesse. Qualquer um, menos ele. Já não escrevia o que sentia. Um dia tentou pôr a prova isso. Ao início da primeira chuva, iria entrar nela, mas quando tentou, foi impulsionado a escrever, não conseguiu se aquietar enquanto não terminasse o texto. E quando terminou, já não havia mais chuva. Tentou por várias vezes, até que um dia conseguiu entrar nela, na chuva que sempre o inspirou a escrever. Esperou muito tempo sentir o que sentia nos seus forçados textos, fechou os olhos, tentou ouvir a tal canção que antes parecia se fazer nos seus ouvidos, mas nada disso aconteceu.
Nada aconteceu, de fato suas palavras não faziam sentido. Agora, tinha certeza de que elas nunca passariam do papel, que nunca se tornariam reais.
Imagem:http://www.meionorte.com
Parou de escrever faltando apenas três páginas para o fim. Não poderia prosseguir, que fim daria a uma estória que estava se desfazendo a cada novo pensamento? Ele pensou em jogar fora o livro, mas ficou com medo de alguém encontrar, então pensou em destruir nas chamas já acesas. Seria isso o melhor? Não, lhe veio outra ideia, apagar tudo! Assim, começou a apagar todo o livro, de trás pra frente, como se estivesse tentando voltar no tempo. Enquanto fazia isso, uma leve chuva caiu e o convidou para a última noite.
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