Apesar da cidade ser pacata, vez ou outra acontecia coisas estranhas. Naquele dia, dia anormal, apareceu um cara e sentou-se no banco da praça. Talvez a lenda se cumprisse. Talvez. A moça o via pela janela, como todo o restante da cidade, mas ninguém se atrevia a lhe encarar frente a frente.
São poucos os que gostam de mudança. Arriscar-se. Mover-se é uma ação que envolve bem mais que simples passos. Observar não cansa e nunca matou ninguém. Mas, observar também não muda muita coisa. A moça fitava aquele homem enquanto uma música romântica soava nas caixinhas de som penduradas nos postes. Todo santo dia (e nos dias que também não eram santos), a rádio comunitária tocava umas canções internacionais, daquelas que ninguém entende a letra, mas ouve porque gosta.
- O que você tanto faz nessa janela?
- Nada não, mãe. Estou apenas ouvindo a música.
- Vá lá pra fora, então. Lá você pode ouvir melhor.
E ela foi pra pracinha e sentou-se ao lado do moço. Ela não tinha nada a perder. Fitou-o de perto e sem falar nada, já dizia muita coisa. Ele, inquieto, parecia não se importar com o fato. Mas, tímido, apenas a olhava também. Não sabia o que falar, mas nem precisava. Enfim, ela pergunta.
- Quem é você?
- Não sei, vão descobrir ainda.
Poderia alguém não saber quem era? Ou apenas não queria conversar. Foi tão difícil ela arriscar uma pergunta e a resposta não foi das mais fáceis de se entender.
- Vão descobrir?
- É.
Homem de poucas palavras. O silêncio imperou naquele banco, até que um policial apareceu e disse ao sujeito que ele estava liberado. Mesmo sem saber o motivo das coisas, a moça disse que ele poderia ficar ali, mas ele disse que precisava partir. Era um ser sem rumo certo, mas sem parada também. Buscava em algum lugar alguma coisa que ele ainda não sabia.
Levantou-se e dirigiu-se ao seu carro.
- Posso ir com você?
- Eu não sei pra onde vou.
- Não importa. Eu não sei onde estou. Mas quero estar em algum lugar.
- A estrada é longa e talvez não tenha volta.
- Não precisarei voltar.
A moça entrou no carro e eles partiram. As janelas da cidade olhavam e mesmo sem ninguém dizer nada, sabia-se que a lenda estava se cumprindo.
O sol se pôs e a lua apareceu do outro lado do horizonte, iluminando o caminho pelo qual aquele carro passaria. De janelas abaixadas, o vento balançava os cabelos soltos da moça. Podia-se respirar liberdade, mesmo sem saber ao certo o que ela seria. Não era uma fuga, nem uma loucura qualquer. Tanto o homem como a moça não conheciam a si próprios. Em seus documentos, eles não se reconheciam na foto. Talvez na manhã seguinte, ou na próxima, ou na próxima da próxima, eles tivessem a fé de que encontrariam não só as respostas, mas as perguntas certas.
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