Às vezes, a vida prepara surpresas pra todo mundo. Num espaço de tempo, ela prepara o presente e alguém capaz de pegá-lo se torna o ganhador da vez. Romildo tinha acabado de morrer e poucos foram ao seu velório. Nem ele próprio esteve presente, já que estava morto. Se encontrava em outro plano, uma espécie de purgatório improvisado, já que o oficial o Papa fechou anos atrás.
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Assim começa a surpresa dele. A vida resolveu presenteá-lo só após a sua morte. Contraditório, mas real, segundo a ata de registro dos fatos. Nesse plano, ao qual se encontrava Romildo, não se via muita coisa não. Tinha um chão sem chão e paredes sem paredes. Era o vácuo mais cheio de qualquer outro lugar da Terra ou do Universo.O escrivão teve dificuldades para descrevê-lo.
- Nome!
- Romildo Pereira, senhor.
- Prontinho, o senhor pode ir para sala ao lado.
Ao lado não tinha nada, mas Romildo caminhou pra frente, quem sabe tropeçasse com alguma coisa. E dito feito, tropeçou num não sei o que e alguns quadros se acenderam. Sabe aqueles filmes que mostram uns quadros flutuando e neles são mostradas partes da vida de uma pessoa?! Então, era quase isso. Este escritor não teve a capacidade de pensar em algo inovador.
Os quadros se acenderam, não todos, pois o tropeço de Romildo havia desligado um dos cabos da tomada. Em um deles, havia imagens ao vivo do velório. Apenas a mãe, a irmã e uma desconhecida estavam presentes. Romildo observou-a bem, pediu até um zoom no rosto dela. Era bonita. Romildo se lamentou por estar morto e não conhecê-la bem.
No quadro ao lado, havia uma enquete. A pergunta era se ele conhecia a mulher. Antes de responder, ele foi apresentado ao resultado coletado da pesquisa realizada dias antes. Esta pesquisa havia sido encomendada pela vida, o nível de confiança era de 95% e com margem de erro de 2 pontos para mais ou para menos. Foram entrevistadas 1012 almas e 75% disseram que Romildo conhecia a mulher.
Romildo respondeu a enquete negativamente. Nunca a havia visto, disse. Mas havia visto sim, ele apenas não estava lembrando. No quadro seguinte, ele se viu com 12 anos (talvez 10 ou 14). Estudava matemática, quando uma aluna nova sentou-se na frente dele.
- Quer namorar comigo?
- Mas eu nem te conheço, piá! Se liga!
- Romildo, me chamo Romildo.
- E eu com isso!
Romildo foi direto, sem enrolação, mas levou um fora inigualável. A futura moça do velório estava ao lado. Ainda menina, ela sim gostava dele, mas nunca fora notada. Nos quadros seguintes, ela sempre foi mostrada em segundo plano, e só agora, nessa visita às memórias, Romildo pôde notá-la.
Continua...