Wesley era conhecido nas redes sociais como Pereira. O motivo disso ninguém sabe. Não era muito simpático, mas tinha uma coleção inestimável de contatos nas redes sociais. Descobriu um método meio doido, que permitiu que sua conta naquela rede social mais famosa da galáxia ultrapassasse os cinco mil contatos. Ele não me explicou como fez isso, mas nem precisa, já que não tenho mais que cento e cinquenta contatos. Ah, eu sou o narrador.
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É, já virou moda esses textos em que o narrador não apenas narra, mas fala, dá pitacos nos tacos. Eu sei, o escritor que escreve agora não está tendo muita criatividade ultimamente. Coitado, perdeu o fio da meada, seja lá o que isso for. Já não escrevia um conto desde sete de dezembro do ano passado. Bom, mas vamos voltar ao Wesley.
Eu, como narrador, vou contar sobre o que sei. Não estive presente no caso, mas ouvi falar. Wesley acreditava nas teorias de conspirações diversas. Mas eu não o culpo, nem sequer descredito todas as teorias. Algumas delas são bem construídas. Por exemplo, você já ouviu falar da teoria da Terra Oca? Pesquise aí no Google e veja que os caras escrevem de um jeito que te faz questionar algumas coisas. Por que os aviões que saem do Canadá e vão para a Rússia, ou até mesmo algum país na ponta alta da Europa, não passam pelo Polo Norte, se teoricamente, seria mais perto assim do que cruzar o Atlântico?
Segundo a teoria, eles não passam por lá, pois em ambos os polos, há um buracão, entrada para o mundo interno do planeta. Wesley era doidão com esse negócio. Tinha um Mapa Mundi redesenhado. Correntes marítimas alteradas. E tudo o mais. Como disse antes, era amante das teorias conspiratórias, mas a que o levou a ruína foi uma: o efeito chromakey é uma farsa.
Efeitos chromakey é usado para simular ambientes. Por exemplo, um ator grava uma cena em que seu personagem está voando. Para isso, fica em cima de um pano verde ou azul e posteriormente, o editor de efeitos gráficos remove a cor verde e põe em seu lugar um céu. Para Wesley, o chamado chromakey era uma desculpa inventada para esconder o poder que o humano tem de levitar. Isso mesmo que você leu: segundo essa teoria, o ator que fez Super Man voava de verdade.
Seria muito difícil a população saber disso, por isso inventaram o pano verde. Mas, por mais difícil e catastrófico que pudesse ser e parecer, Wesley queria abrir os olhos de todo mundo. Porém, como faria isso? A resposta estava nas pontas dos dedos dele: usar a rede social mais famosa da galáxia.
Por ela, ele criou um evento intitulado "O vôo da verdade". Sim, sei que com o novo acordo ortográfico, a palavra voo não precisa mais do acento. Porém, não posso fazer nada, sou apenas o narrador. Foi Wesley que escreveu assim. O evento bombou. Virou música, poema, discurso de campanha, declarações de amor, filosofia de vida, etc.
Enfim, chegou o dia. Não lembro a data ao certo, mas foi em outubro, época oportuna. O Rio de Janeiro lotou. O mundo inteiro voltou-se ao Rio. Na verdade, toda a galáxia. Discos voadores e discos de vinil foram vistos em meio aos paralelepípedos do calçadão. Era uma mistura de sentimentos. A maioria tinha a curiosidade no coração. Apareceu uma minoria vestida de vermelho, mas se evadiram do local assim que se ouviu um "pega ladrão".
Wesley sabia da grande responsabilidade que tinha. Falaria a bilhões de pessoas e não-pessoas. Estava nervoso, mas confiante no que faria, mesmo não tendo muita certeza. É confuso, eu sei, mas foi o que me contaram. Subiu no palco especialmente montado para a ocasião. Era uma estrutura gigantesca suspensa sobre o edifício Cap Ferrat, com vista privilegiada para o mar.
Silêncio total. Ele se aproxima do microfone. Ocorre aquela microfonia básica e ele começa a falar. Era o momento da verdade. Ele pretendia abrir os olhos de todos os presentes para que esses abrissem os olhos dos outros. Disse que a vida estava tão desvalorizada. Que as pessoas já não viviam, sobreviviam. O ato de sobreviver é uma luta constante, mas viver não deveria ser uma luta. Viver deveria ser viver.
As brigas diárias, principalmente nas redes sociais, não levariam ninguém a nada. A busca pela satisfação pessoal não poderia atropelar o respeito pelo próximo. As discussões não deveriam acabar em morte. As pessoas deveriam ser mais verdadeiras. Não deveriam ter medo de sorrir. O medo é resultado da falta de amor. Um sorriso não faria mal. Um abraço estranho traria esse sorriso. A verdade deveria voar. Todo nós podemos voar. Voar é ser livre. É ser feliz. É viver.
Wesley se aproximou da beirada do palco e saltou. Sem pano verde, foi livre. Voou por todos os presentes. Subiu o mais alto que pôde, até desaparecer no horizonte.
As suas palavras logo foram esquecidas. Algumas pessoas vaiaram pelo desfecho. Outras, deram risada. Os noticiários apenas narraram que um louco havia se jogado de um prédio. Especialistas foram chamados para explicar as causas psicológicas que levam um indivíduo a tirar a própria vida. Semanas depois, ninguém mais se lembrava do Wesley. O perfil do Pereira continuou com os mesmos contatos e alguns recordaram dele apenas quando a rede social lembrou-os que naquele dia, ele estava completando vinte e três anos.