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O que não aconteceu hoje

sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Fui pagar a conta. Fui eu e os fones de ouvido. As músicas eram da pasta Four Shared 2016. Tenho pastas com esse nome criativo desde 2011, com a alteração apenas dos anos. Embarquei no ônibus, paguei e voltei pro ponto. E lá no ponto, estava comigo, mas sem mim, uma loira. Aparentava ter minha idade. Mas, entre nós dois, estava meu fone, companheiro do dia.

Olhares
O que não aconteceu hoje

Eu poderia fazer o simples movimento de tirar os fones do ouvido e dizer um simpático "oi" a la Silvio Santos. Mas isso seria fácil demais, diante de meu questionamento bobo momentâneo. Eu pensava: oras, quando venho sem fone, não aparece uma moça sequer, só as senhoras de sempre que falam do tempo, do frio que castiga, da onda de assaltos do bairro. Não estava reclamando destas conversas, até porque me dou bem com as vovós dos outros. Mas, agora que estou aqui, isolado no mundo pelas músicas baixadas, aparece as moças que eu procuro. Não há tempo pra me preparar. Pra pensar em como fazer certo. Em não parecer um inseguro que sou. Mas lá estava ela, eu e o fone.

Ela se aproxima de mim. Ventava bastante, vai ver ela queria ter mais vento pra ela. #Compartilhar vento é preciso. Vai ver ela queria ver qual era a linha do ônibus que vinha. Mas não, havia vento suficiente para nós dois e para mais uma dúzia de Ronaldos. Também não estava vindo ônibus, e se estivesse, não faria diferença a linha, pois todos que passassem iriam para o Terminal Sul.

Meu fone é bom até. É branco, não combina com o celular preto de bordas azuis. Estava no volume alto, mas eu conseguia ouvir o que estavam falando os vizinhos de ponto. É que apareceram mais quatro pessoas. Mas ainda assim, era ela, eu e meu fone de ouvido, que agora me fazia ouvir Me Leva, na voz do grupo Dibob.


Entramos no ônibus. Lotado como sempre. Ela entrou primeiro e eu, logo em seguida. Ela ficou no meio. Eu, após passar o cartão na catraca, fui em sua direção. Precisava fazer alguma coisa. Poderia perguntar se ela gostava de biscoito, não seria uma má ideia. Me segurava nas barras laterais pra não cair, enquanto me aproximava. Empurrei alguém pro lado. Eu precisava passar né. Segurei na mesma barra que ela. O ônibus estava rápido. Toquei na sua mão, como se fosse um acidente. Não foi. Mas não queria que ela percebesse. Então, meus passos me levaram um pouco mais pra trás, quase na porta do fundo.

Enfim, quase chegando ao meu destino, retornei para Me Leva, Meu fone ria da situação, e de forma irônica, fez com que os olhos dela se encontrassem com os meus quando saímos do ônibus. Ela saiu pela porta do meio, e eu, pela do fundo. E nos encontramos por simples segundos. E no segundo seguinte, já não nos víamos mais. Fui pra casa.

E isso foi o que não aconteceu hoje.

Quando desci do ônibus, a música já tinha acabado, e meu fone não poderia me impedir de nada. Nossos olhos se encontraram, agora não por simples segundos, mas por minutos, pois disse um "oi" pra ela. Descobri que ela realmente gostava de biscoito. Comemos um pacote inteiro na cantina. Conversamos sobre o tempo, sobre a onda de assalto do bairro, sobre coisas sem importância, sobre os nadas da vida, sobre tudo que deu. Depois disso, nos despedimos. Talvez eu não a veja mais. Cascavel é uma cidade grande. Não peguei o número dela. Mas, tivemos alguns minutos, minutos diferentes. Minutos que eu queria. Fui pra casa.